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UMA LITERATURA PARA A EDUCAÇÃO


                    Durante a fase de implantação da República no Brasil considerou-se fundamental a preparação da criança para o futuro. Instituições como a família e a escola permeiam a ideia de uma nação integrada. É entre os séculos XIX e XX que o país impulsiona um programa de expansão de produção de livros destinados à criança, período em que a nação se urbaniza e o novo governo se esforça por sua modernização. Um dos paradigmas de uma nãção é a sua cultura, seu letramento. Dentro desse espírito, o poeta parnasiano Olavo Bilac fazia o elogio da língua como sendo um fator preponderante de coesão e de identificação do nacional ao afirmar que: a Pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo. O uso correto do vernáculo, a erudição, tão caros ao estilo parnasiano, encontraria no projeto nacionalista da República Velha um meio não só adequado mas objetivo de expressão com alguns autores conduzindo sua criação literária em direção às atividades pedagógicas.

                    O poeta e jornalista Olavo Bilac, sem dúvida a maior liderança do nosso parnasianismo, foi um dos principais autores a se integrarem no projeto que visava à participação ativa dos jovens nos destinos da nação. A todo esse segmento de seu trabalho voltado para o despertamento cívico e para a instrução da criança e do jovem, o poeta dedica o melhor de seus versos lapidades, numa poética bem construída onde não faltam o preciosismo das palavras e a seleção de temas, que por sua variedade tanto diverte quanto ensina e exorta a criança.

                   A sua participação cívica nesse programa de tom ufanista gerou, dentre outros, os livros Através do Brasil, Contos Pátrios e Poesias Infantis.  Ele,  juntamente com Figueiredo Pimentel, Francisca Julia e Lulia Lopes de Almeida, como escritores que atuaram entre o final do século XIX e as primmeiras décadas do século XX, produziram  obras voltadas para a juventude vinculadas à função pedagógica. No conjunto de poemas de Olavo Bilac voltados para a criançaque encontramos os temas da pobreza (“Os Pobres”), das festas do calendário ( "Junho"), dos brinquedos , ( "A Boneca") , dos animais ( "A Borboleta", "Plutão") e os grandes temas do tempo, da vida, da morte, do universo. Em todos encontramos a tônica da instrução com uma lição moralizante, como nas fábulas, conclamando à virtude, concebida através das categorias do bem e do mal. A boa criança distingue-se pelo amor e obediência aos pais, pelo altruísmo, pela compaixão, pela caridade. Também notamos a seleção de tipos padronizados nos textos em torno  do menino, do velho, da avó, do pobre, eleitos tendo em vista modelos sociais vigentes. Identificamos o acento didático-moralista em sua maior parte, a exemplo do poema “Plutão”, cuja temática é a do cão que morre de tristeza por lhe ter morrido o dono, o menino Carlinhos. – Que forma melhor de exemplificar a uma criança a virtude do amor fiel até a morte?

                      No poema que se intitula “A Borboleta”, o poeta explana para o pequeno leitor qual deve ser a conduta aceite em relação à natureza, que deve ser respeitada, preservada mesmo em se tratando de  um pequenino animal. Alfredo, o personagem do poema, havia se encantado com aquele pequeno ser volante, pelo exotismo de suas asas negras com listas douradas. O menino desejou cravar aquele fantástico inseto na parede da sala, mas a mãe intervém: não deve matar a borboleta tremulante em suas mãozinhas, queria ele ser chamado de assassino? Alfredo, como um bom e obediente menino, solta o pequeno animal indefeso. E o poema encerra com uma lição de moral como nas fábulas, com asseverações sobre a morte e a vida.

                   No poema “A boneca”, rechaça -se a cobiça, a competitividade excessiva exemplificadas pela briga entre duas meninas pela posse de uma boneca. Não souberam dividir o tão ambicionado brinquedo, ficaram sem ele. Assim, todo egoísmo deve ser corrigido e uma criança deve aprender cedo a ter uma atitude altruísta, dividindo compassivamente o que é seu. O aventuresco, a fantasia, a conquista, a posse, como elementos do imaginário infantil, tão naturais para o seu desenvolvimento são, dessa forma, preteridos tendo em vista os modelos preconizados para a formação do futuro cidadão. Prevalecendo a função pedagógica, pretere-se o mero entretenimento. Esta não é uma literatura criada exclusivamente com a função de provocar a sensibilidade e a inteligência, assim a de divertir. Esta é a uma poesia destinada à escola, numa produção cujos livros objetivavam a intermediação com a sociedade.

                     As histórias de Charles Perrault, dos Irmãos Grimm e de Christian Andersen puderam ser amplarmente divulgadas no país por iniciativa do escritor Figueiredo Pimentel em parceria com Carlos Jansen. Os contos de sua autoria reunidos bem demonstram o caráter didático e moralizante próprio dessa ideologia que visava à formação cívica e patriótica durante a República Velha. A par do elemento maravilhoso que se verifica, por exemplo, no conto “ O Soldado e o Diabo”, observamos a máxima de cunho religioso, que é a da caridade . A grande fortuna que o diabo deixara para o soldado e o sapateiro Augusto deveria ter uma finalidade utilitária e beneficente de modo a dirimir-lhe um possível castigo. O conto “O Avô e o Netinho” elogia o respeito e cuidado com os parentes mais velhos e exibe uma conduta modelar de um menino de quatro anos. Luisinho é o neto e mostra afeto e solidariedade ao avô então desprezado pelos seus pais. Corrige os pais pela adoção de um ato cândido e inocente, que decorreria  de uma bondade e solidariedade concebidas como inerentes às crianças.

                   Assim também a poetisa Francisca Julia, cuja poesia é de feição parnasiano-simbolista, empenhou-se em produzir para a criança uma literatura que associasse o bom gosto à instrução pelo uso castiço do vernáculo. Em seu livro Alma Infantil, o segundo que ela esceveu destinado ao público a criança, dessa vez em parceria com seu irmão, Julio da Silva, mostra objetivamente desde o sub-título,  "Versos para uso nas escolas” a sua finalidade educativa. O delicado poema "Ninho de beija-flor" não foge à regra de uma lírica voltada para a instrução com um certo tom maternal. A menina Edméa surpreende-se com um mimoso ninho de pássaros mas é exortada a não tomá-lo para si. É precisamente por seu ato de renúncia em preservar o ninho que o sujeito lírico coloca no texto a função moralista e pretende orientar a criança para as questões do amor , da compaixão voltados ao mundo que a circunda. Respeito, piedade, civismo são valores que se colocam acima do desejo egoísta em prol da natureza.

                     A escritora e abolicionista Julia Lopes de Almeida traz a sempre instigante questão das minorias com um texto de acento realista. Ao mesmo tempo que exalta a condição feminina com o tema da maternidade exercida de forma abnegada, mostra o lado grotesco e cruel da sociedade através de uma personagem que quebra o paradigma da beleza e expõe sua condição de mulher com uma aparência repulsiva. Pobre, envergonhada, quase escrava em seu trabalho de dupla jornada, a personagem nem tem nome, sendo identificada pelo seu defeito físico, um olho perfurado. Abordando a questão das classes marginalizadas e exploradas, o conto “A Caolha” também possui o caráter didático-moralista de mostrar o valor do afeto e da gratidão que um filho deve ser por sua mãe mesmo em condições adversas.

                  De acordo com Marisa Lajolo e Regina Zilberman em seu livro Literatura Infantil Brasileira- História e Histórias ( 1984), esse primeiro momento da literatura infantil no Brasil sofreu a influência do modelo europeu de um projeto educativo e ideológico que via no texto infantil, junto com a escola aliados imprescindíveis para a formação de cidadãos. Referindo-se às obras dos autores italianos, G. Bruno e Edmond De Amicis como sendo verdadeiras cartihas, as crianças, enquanto personagens centrais vão aprendendo o amor à pátria, sentimento de família, noções de obediência, prática das virtudes civis. Através de modelos idealizados as crianças-leitoras viam nesse personagem um ponto de partida que guiariam seu desempenho futuro na sociedade.